Grande Sertão é uma releitura do clássico da literatura brasileira Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. A obra original, lançada em 1956, foi revolucionária pelo seu caráter experimental, tanto pelos temas abordados quando pela forma que é escrita. Portanto, imaginar uma releitura moderna para o cinema que seguisse padrões de um cinema mais comercial, seria fugir do próprio cerne do livro.
Na trama do longa, numa grande comunidade da periferia brasileira chamada “Grande Sertão”, a luta entre policiais e bandidos assume ares de guerra e traz à tona questões como lealdade, vida e morte, amor e coragem, Deus e o diabo. O professor Riobaldo (Caio Blat) entra para o crime após uma tragédia em sua escola e por amor a um dos bandidos, Diadorim (Luisa Arraes), mas nunca tem a coragem de revelar sua paixão.
O cenário do sertão mineiro com jagunços e coronéis é substituído por uma comunidade cercada de muros, um cenário distópico mas que poderia ser tranquilamente algum lugar no Rio de Janeiro ou São Paulo. Isso inclusive levanta a questão da necessidade de centralizar tudo nesse eixo, visto que o Brasil é gigantesco e muito da obra de Guimarães tem forte teor regionalista, mesmo Minas Gerais ainda sendo um estado do sudeste, mas não tanto assim aparentemente.
Outro ponto importante é que o diretor Guel Arraes, que também escreve o roteiro ao lado de Jorge Furtado, decidiu manter os diálogos exatamente como são no livro. Isso já seria muito arriscado mesmo se fosse uma adaptação literal, o que não é o caso. Esse talvez seja a maior estranheza, pois parece em vários momentos que os atores estão declamando suas falas, de uma forma bem teatral, e não falando com pessoas normais. E mesmo isso não é padronizado, parte do elenco consegue transmitir com mais naturalidade o texto, outros, principalmente os secundários parecem robôs dizendo suas falas perfeitamente, mas sem vida.
A ambientação no geral é interessante, mas para dar tempo de condensar uma história tão rica em apenas duas horas tudo parece meio corrido, falta por vezes um respiro para contemplação, os percebermos as angústias e dilemas morais e pessoais dos personagens, principalmente de Riobaldo. Caio Blat tem dois momentos distintos, na ação principal e como narrador, mais velho contanto sua história. Não se sabe pra quem ou porque ele conta, parece simplesmente um recurso para usar as passagens de narração do livro, novamente num tom bastante teatral.
A questão de gênero de Diadorim, que num livro é muito mais fácil de se esconder, em tela fica evidente, o que mereceria um tratamento com muito mais cuidado, mas toda essa relação entre os protagonista também fica corrida. Um grande destaque por outro lado é Eduardo Sterblitch, que simplesmente desaparece no papel do sanguinário Hermógenes, é como se fosse a encarnação do mal em pessoa, e parece ser o que melhor se adaptou com essa mescla da estética moderna com os diálogos da obra original.
Muito do material promocional vende o filme como um grande épico de ação, o que de fato ele é, mas existem muitas cenas de ação que são confusas, com uma edição que atrapalha muito mais que ajuda. Edição essa que as vezes parece se confundir em outros momentos também, claro que a obra original é desafiadora e descontrói muitos aspectos formais da língua portuguesa, mas essa confusão não consegue ser transposta de forma rebuscada e de qualidade para o cinema.
Grande Sertão é muito ousado em sua proposta, mas fica no meio do caminho entre um filme padrão de ação e algo experimental, o que pode ser um fator de divisão do público. Inegavelmente o poder da narrativa e inventividade de Guimarães Rosa está lá, mas falta capricho para se tornar algo realmente épico.
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